Entrevistas

Revista do Forum des Images, de Paris

Concedida no primeiro semestre de 2005, por ocasião de um ciclo de musicais

Questions à Carlos Diegues

1. Le film musical occupe une place privilégiée dans le cinéma brésilien. Comment vous situez-vous par rapport à cette tradition ?

Nunca tive a intenção de fazer filme musical no sentido clássico do termo, meus filmes são muitas vezes estruturados musicalmente e neles a música tem muitas vezes um papel dramático importante, mas isso não quer dizer que eles sejam musicais, como na tradição americana do termo, como ela foi trans-criada nos filmes de Jacques Démy ou parodiada nas velhas chanchadas brasileiras.

2. Tieta do Brasil est rythmé par de nombreuses musiques et chansons qui interviennent aussi bien dans des séquences légères que dramatiques. Pour Um Trem Para as Estrelas, la musique de Gilberto Gil jaillit comme un espoir. Comment utilisez-vous la musique dans votre travail ? Quelle utilisation de la musique refusez-vous absolument ?

Música de cinema não é música para ballet, sincronizada aos gestos em cena, nem de concerto, que se pode ouvir de olhos fechados. O papel da música no cinema é acrescentar à história que está sendo contada alguma coisa necessária a ela e que não está inserida nas imagens do filme. Muitas vezes trabalho uma cena ínspirado em uma música qualquer e, na edição do filme, acabo retirando esta música de sua versão final, por excessiva, reiterativa ou desnecessária.

3. Pour O grande cidade, vous avez fait appel au grand sambiste Zé Kéti qui a composé le thème musical du film. Comment c’est faite cette rencontre ?

Durante a filmagem de meu filme anterior, Ganga Zumba, fiquei muito amigo e tornei-me até parceiro em uma canção do grande compositor Cartola, que atuava como ator naquele filme. Foi através de Cartola que conheci um grande número de sambistas cariocas, como Nelson Cavaquinho e o próprio Zé Kéti, a quem eu já admirava muito.

4. Pourquoi avoir voulu rendre hommage aux Chanchadas dans Quando o Carnaval Chegar avec les vedettes de la nouvelle chanson brésilienne ?

Cette histoire d’une groupe de chanteurs populaires soumis aux pressions des organisateurs du carnaval de Rio a-t-elle une dimension métaphorique ?

Durante a ditadura militar no Brasil, saí do país em exílio por algum tempo. Quando voltei, em 1972, os artistas brasileiros em geral e meus amigos em particular estavam muito tristes e pessimistas, escrevendo, compondo e filmando obras cheias de justificada desesperança. Decidi fazer Quando o carnaval chegar na contra-corrente dessa tendência, tomando a alegria e o humor como armas revolucionárias. Para isso, usei a paródia da paródia, ou seja, a estrutura da velha chanchada carioca para narrar uma fábula política com alguns dos cantores brasileiros mais politizados do momento, como era o caso de Chico Buarque, Nara Leão e Maria Bethânea. É claro que tal fábula só podia ser narrada através de metáforas e algumas alusões alegóricas ao que estava acontecendo no país. Mas não é isso a poesia ?

5. Dans Escola de Samba, Alegria de Viver, l’un des cinq épisodes Cinco Vezes favela, vous jugez sévèrement les écoles de samba que vous présentez comme phénomène d’aliénation. Pourquoi ?

Ne peut-on pas dire à l’inverse qu’elles ont favorisé l’intégration de la population d’origine africaine (interdite par exemple de défiler à Rio au début du XXe siècle), permettant ainsi de donner une unité à ce qui n’en avait pas ?

Claro, você tem toda a razão. Escola de Samba Alegria de Viver foi feito por um jovem cineasta ainda universitário (eu tinha 20 anos de idade), um militante pólítico certo de que poderia mudar o mundo com seus filmes e com o coração dividido entre a necessidade da revolução e o amor à cultura popular. Deu no que deu.

6. La musique peut-elle avoir une portée politique au Brésil ?Quelle fut l’influence du tropicalisme dans la contestation de la dictature ?

No Brasil, a música é um elemento da vida cotidiana, está inserida em todos os momentos da vida brasileira. Durante a ditadura militar, ela foi um canal de resistência política mas também de alívio existencial. Não é à toa que a maior parte das canções daquele tempo falam sempre em manhãs e auroras, como se elas anunciassem, como o galo, a existência do sol.

7. Dans quelle mesure l’utilisation de musiques brésiliennes dans vos films peut-elle être un acte militant ?

Não acho que seja propriamente um ato militante, é muito mais um ato de amor e celebração.

8. Os Herdeiros livre quarante ans de l’Histoire du Brésil dans une forme proche de celle de l’opéra. Pourquoi avoir choisi cette forme pour un film qui a l’ambition de révéler l’identité d’un pays à lui-même ?

En quoi la musique est-elle constitutive de l’Histoire du Brésil ?Est-il juste, selon vous, d’affirmer que chaque étape de l’histoire sociale et politique du Brésil possède son reflet musical ?

Os Herdeiros é um documentário político, dramático e metafórico sobre tudo que aconteceu no Brasil, da revolução burguesa de 1930 ao golpe militar de 1964. Mesmo para aqueles que, como eu, nasceram depois de 1930, quando Getulio Vargas toma o poder e começa a modernização autoritária do país, essas são datas chaves para minha geração, nós vivemos as conseqüências de tudo que aconteceu neste período. Contei essa história através da biografia de uma família e sobretudo de seu líder, um homem moderno e generoso, mas ao mesmo tempo oportunista e vigarista. Um brasileiro típico de uma certa cultura modernista que vai de Oswald de Andrade a Macunaíma. Para isso, fiz com que todas as épocas abordadas pelo filme fossem ilustradas por músicas de então. Essas músicas não só dão credibilidade à cronologia do filme, como também ilustram de algum modo o espírito de sua época. Mas elas não estão ali como discursos ideológicos, mensagens políticas musicadas. Elas são personagens do filme.

9. A l’origine de Veja esta canção, élaboré autour de 4 histoires d’amour à Rio, il y a 4 chansons signées Jorge Ben Jor, Gilberto Gil, Caetano Veloso et Chico Buarque. Comment est né ce projet ?

Em 1990, o famigerado presidente Collor de Mello acabou com todas as leis de proteção ao cinema brasileiro e destruiu todos os mecanismos públicos de produção cultural no país. No cinema, por exemplo, a produção sofreu uma queda de quase 100 filmes por ano (na virada dos 1970 para os 1980), para 2 ou 3 filmes por ano no máximo (em 1992, foi produzido apenas um filme). E esse panorama catastrófico durou até 1995, quando Fernando Henrique Cardoso criou a Lei do Audiovisual e a produção de cinema foi retomada no país. Em 1993, eu estava vivendo a enorme depressão da impossibilidade de fazer filmes e, para não ficar louco, chamei minha filha, então com 20 anos, juntamos seus amigos e lhes propus fazer Veja esta canção num formato quase cooperativo. Este filme, inspirado em quatro canções de amor de compositores de minha geração, é uma homenagem à música popular brasileira, por tudo que ela significou em nossas vidas e para nossas obras. São como quatro pequenos poemas consagrados a alguns de nossos heróis.

10. De la négation du spectacle à son acceptation : pourrait-on, très schématiquement, décrire ainsi votre parcours ?

Jamais neguei o caráter espetacular do cinema, sempre o cultivei e meus cineastas preferidos sempre tiveram essa marca em seus filmes. Os 20 minutos finais de French Can Can, de Jean Renoir, por exemplo, aquela vertigem de música e ação, de realidade e espetáculo, de idéias e personagens, são, para mim, a quinta-essência do próprio cinema que se confunde com a vida, não havendo diferença entre o que se passa no palco e o que se passa no mundo. O cinema é a criação de um universo alternativo que serve para que compreendamos melhor o que se passa no universo real.