Entrevistas

Revista de Cinema

Publicada em setembro de 2000

A seguir, estamos reproduzindo a estrevista concedida por Carlos Diegues a Hermes Leal, da "Revista de Cinema". A entrevista foi publicada no número 5 daquela revista, correspondente ao mês de setembro.

Revista de Cinema: Falar de Cinema Novo hoje em dia é falar de algo muito distante. Você foi um dos fundadores do Cinema Novo, ao lado de Gláuber Rocha, de quem você era amigo. Quais das idéias que nortearam a existência desse movimento vingaram? Que movimento era esse que tanto apaixonou as pessoas?

Carlos Diegues: Se você analisar o Cinema Novo do ponto de vista da cultura brasileira, verá que se trata do Modernismo chegando finalmente ao cinema através de nossa geração. Como no Modernismo, o projeto de transformação do mundo está ligado ao do avanço de nossa arte e à afirmação pessoal dos artistas. Não é à toa que, além das influências cinematográficas nacionais e internacionais, a presença da literatura brasileira modernista é forte em nosso filmes. O Cinema Novo não só revelou cineastas da grandeza de Glauber, Joaquim, Leon, etc., como também deixou definitivamente exposta a vocação do Brasil para o cinema e a necessidade de existência de um cinema brasileiro, em todas as dimensões. Vivíamos num mundo que valorizava a utopia e, neste mundo, nosso projeto era modestíssimo: tratava-se apenas de mudar a história do cinema, a do Brasil e a da própria Humanidade. Deste projeto ficaram filmes belos e seminais, além de uma baita lição de generosidade que vejo reproduzida em diversos filmes de jovens cineastas brasileiros de hoje.

R.C.: Você tem uma longa cinematografia, que permite ser analisada de várias formas. Uma delas é que você nunca se repete, não faz trilogia. "Xica da Silva" é de uma forma e "Quilombo", de outra. Assim como "Um trem para estrelas é totalmente urbano", "Bye Bye Brasil" é a síntese da vida no interior do Brasil. São tantos filmes que não daria para analisar um a um. O bom diretor é aquele que não se repete? Ou existe algo dentro de seus filmes que estão em todos eles e a gente não vê?

C.D.: Cada vez que vou fazer um novo filme, procuro esquecer completamente o que fiz antes, não quero ser prisioneiro de uma "obra". Como também não quero ser prisioneiro do que pensam que sou, tentando reproduzir sobretudo os meus sucessos. O cinema é um grande prazer e este prazer deve ser gozado sem nenhuma limitação, além daquelas materiais que não podemos mesmo evitar. Cada filme é uma aventura em si e, para mim, ele nasce de necessidades de um momento preciso que nada tem a ver com o passado ou o futuro, mas sempre com o agora. Faço filmes para meus contemporâneos, sobre assuntos pelos quais tenho curiosidade e que acredito que vão interessar aos que vivem no meu tempo. Claro que, depois de tantos anos de estrada e alguns filmes feitos (menos do que eu gostaria de ter feito, diga-se de passagem), olho para trás e vejo que existem vários pontos em comum nestes filmes, certas recorrências às vezes até inconscientes. Mas não penso muito nisso, não me preocupo nada com isso.

R.C.: Você tem uma relação estreita com a música, até já declarou ser um músico frustrado. Em que momento você desistiu da música e escolheu o cinema? Quem lhe influenciou nessa escolha? Se fizesse música, seria samba? Toca algum instrumento?

C.D.: Nunca fui músico, nunca tentei ser. Na adolescência, andei tocando um pouquinho de violão e flauta, tive umas aulas de piano, mas nada muito a sério. A minha paixão pela música popular brasileira é absolutamente natural, data de sempre, mas o cinema sempre foi minha ocupação prioritária, minha necessidade vital, seja como cinéfilo, seja como cineasta.

R.C.: O cinema é a arte mais representativa da própria vida. Você é uma pessoa preocupada com as questões sociais e políticas e isso passa nos seus filmes. Como você escolhe seus projetos? Tem uma gaveta cheia de projetos ou eles vão aparecendo um após o outro?

C.D.: Existem filmes, como "Quilombo" ou "Orfeu", que são o resultado de anos de desenvolvimento de um projeto, às vezes décadas, como é o caso deste último. São filmes que, digamos assim, esperaram sua vez, sua oportunidade, para serem feitos. Outros nascem de inspirações momentâneas, de uma fagulha criativa que impulsiona sua realização. Entre o nascimento da idéia e o início das filmagens de "Veja esta canção", por exemplo, não se passaram mais do que uns quatro meses. Vivo escrevendo muito sobre cinema, pequenos ensaios, artigos, reflexões, assim como idéias, argumentos e mesmo roteiros para filmes que, em alguns casos, nunca serão feitos. Mas nada do que a gente escreve se perde, esses textos acabam gerando outros ou simplesmente se diluindo em outros. Assim como os filmes que não são feitos, reaparecem no que acabamos por fazer. Tudo que a gente pensa, fecunda sempre o que a gente faz.

R.C.: Onde está o prazer de filmar?

C.D.: Onde está o prazer de amar? Há certos mistérios humanos que ainda vão precisar de muita análise do genoma para serem compreendidos. O poder de inventar um universo paralelo e alternativo, mesmo que ficcional, através de imagem e som, é uma volúpia faustiana. Mas eu também gosto do processo prático do cinema, do que somos obrigados a fazer para realizar um filme. Embora difícil, nada disso para mim é sacrifício. Acho que o cinema é uma atividade que nos deixa sempre diante de todas as dimensões do esplendor e da miséria da condição humana. É preciso aceitar e gozar este duro privilégio.

R.C.: Você tem algum método para trabalhar com atores? Cite exemplos, como dirigiu Tony Garrido, um cantor, por exemplo. Como você escolhe seus atores? Cite exemplos.

C.D.: Detesto filmes com uniformidade de interpretação, aquela histeria sub-stanislavskiana ou o reino do naturalismo televisivo. Não é assim na vida real, vá a um estádio de futebol, por exemplo, e veja como cada um torce de uma maneira totalmente diferente do outro. Procuro reproduzir em meus filmes essa variedade do comportamento humano, dirijo cada ator com as diferenças de estilo que visualizei nos personagens ao criar o roteiro. No caso de Tony Garrido, pedi a ele que interpretasse o menos possível, pois ele já era, por sua natureza mesma, por sua beleza e papel na vida, o próprio Orfeu. Ou seja, dizendo o texto de seu personagem, ele nunca deixaria de ser Tony Garrido e isso faria a grandeza de sua interpretação, sem demagogia naturalista. Tenho certeza de que ele é um dos motivos do sucesso popular de "Orfeu".

R.C.: Que importância você dá a cada parte do filme: Por exemplo, o roteiro: costuma dar vários tratamentos, passar para profissionais ou para outras pessoas? Cite exemplos, como o de "Bye Bye" ou "Orfeu", que são bem distintos.

C.D.: Cada filme tem uma história diferente. Há filmes, por exemplo, que escrevi totalmente sozinho, sem a colaboração de mais ninguém, como é o caso de "Chuvas de Verão". Há outros em que tive a colaboração de muitos co-roteiristas, como em "Orfeu". Isso tudo depende de muita coisa, inclusive a própria inspiração inicial, o que dá origem ao projeto. Acho que o roteiro é um elemento importante na criação de um filme, mas temo que estejamos, hoje, cometendo o erro simétrico ao do descaso por ele. Ou seja, uma obsessão por certas técnicas mecanicistas de escrever roteiros está empobrecendo a liberdade visual dos filmes, a criação deles através de imagens que nem sempre podem ser descritas numa folha de papel. Ao contrário disso, é óbvio que a vertente literária do cinema tem que ser domada na própria escritura do roteiro.

R.C.: Você tem preocupações estéticas como a fotografia, ou uma linguagem de câmera, etc. (a exemplo de Ruy Guerra com Estorvo). Ou sua preocupação maior é o conteúdo mesmo?

C.D.: Há muito tempo que não me preocupo mais com essa dicotomia entre forma e conteúdo, essas coisas se articulam num filme conforme a inspiração de seus realizadores. Há certos filmes que nascem de uma idéia ou de uma simples imagem , outros de uma canção, mais alguns de um personagem ou de uma cena que detona o resto de tudo. Há filmes em que a exuberância do trabalho de câmera é fundamental, como é o caso de "Estorvo", de Ruy Guerra. Outros em que a câmera reproduz apenas o olhar do espectador em descanso, como em "Felicidade", de Todd Solondz. Compare, por exemplo, o modo de fazer de Jean Renoir com o de Max Ophuls. E assim por diante. Os grandes filmes são grandes, às vezes até por motivos opostos.

R.C.: A inquietação, acho, é uma das características que te põe como um dos intelectuais mais lúcidos sobre a nossa realidade. Até que ponto essa realidade faz parte de seus filmes?

C.D.: Repito o que disse antes: faço filmes para hoje, para os espectadores de meu tempo, inspirado na minha curiosidade sobre certos aspectos do nosso mundo. Acho que é daí que nasce o que você chama de inquietação, que é isso que dá existência concreta a meus filmes, que produz interesse por eles.

R.C.: Você gosta do morro, da cor negra, (Ganga Zumba, Quilombo, Xica, Orfeu). Inclusive você nasceu em Alagoas, terra do quilombo dos Palmares (confere se Palmares fica em Alagoas?). Da onde vem essa influência? (Seu pai era antropólogo?)

C.D.: Independentemente de qualquer ideologia ou posição política, eu não gosto dos ricos brasileiros, os homens são grossos e cafajestes, as mulheres feias e deselegantes, eles não dão filme, jamais me inspirariam uma obra de arte. Mas tenho enorme curiosidade por certos aspectos do povo e da cultura popular brasileira que, embora esteja perdendo cada vez mais o seu estilo original, continua uma fonte de idéias, criatividade e comportamento bastante inédita. Talvez exista nisso alguma influência de meu pai, o antropólogo Manoel Diegues Jr., uma pessoa que me ensinou muita coisa. Ele, por exemplo, me fez ler, desde os nove, dez anos de idade, toda a literatura brasileira de ficção e depois os ensaistas de quem ele gostava, como Gilberto Freyre, Sergio Buarque, Darcy Ribeiro, etc. Aos doze, digamos, eu já tinha lido Machado de Assis e Jorge Amado, o Brasil já era uma presença simbólica muito forte no meu imaginário.

R.C.: Os problemas do cinema brasileiro já eram discutidos por você e seus companheiros (Glauber, Joaquim Pedro, David Neves, Jabor e Nelson Pereira dos Santos), desde o final de década de 50, nos agitados bares do Catete e Copacabana. Hoje em dia, você vai discursar no Senado Federal justamente sobre os intrincados problemas do cinema brasileiro. De lá para cá, a situação só piorou? Você acredita que a solução para os problemas atuais do cinema brasileiro é uma questão política?

C.D.: O Gustavo Dahl usou, a propósito do Terceiro Congresso, em Porto Alegre, uma expressão muito feliz - ele disse que se tratava de re-politizar o cinema brasileiro e ele está certo. Os filmes são feitos a partir de inspiração e esforço pessoais, mas o cinema só existe com política e ação comum. Essa é uma lição que as novas gerações de cineastas estão aprendendo agora. E, aliás, esses jovens cineastas estão mesmo assumindo essa disposição com muita coragem. O cinema brasileiro vive de ciclos frustrantes porque nunca se construiram as condições para que ele se tornasse uma atividade permanente em nosso país. Isso só se consegue com determinadas iniciativas do poder público que, por sua vez, só vai se mexer se nós, os interessados, fizermos pressão. Isso é política.

R.C.: O Antônio Fagundes disse na nossa revista, número um, que ele leva mais pessoas ao teatro (e leva mesmo) que para os filmes onde ele é protagonista. Para ele, a crise toda está no público. Se ele lotasse as salas, o nosso cinema teria respaldo para produção. Isso é verdade? Faltam filmes mais criativos? Falta uma vontade dos cineastas em procurar fazer um cinema que tenha alguma comunicação com o nosso público sem cair no americanismo?

C.D.: Uma das qualidades dessa "retomada", é justamente a criatividade, a multiplicidade de opções, a ausência de dogmatismo, de uma só direção, de uma tendência única para o cinema brasileiro. Não sou eu que vou incentivar a ruptura disso propondo regras de estilo para atrair público, um modelo único para o sucesso dos filmes, etc. e tal. O Antonio Fagundes está completamente enganado, ele provavelmente não conhece a política de distribuição e exibição em prática no Brasil, as condições dominantes da economia cinematográfica entre nós, que fazem com que o público de nossos filmes seja sempre imensamente inferior a seu potencial, mesmo crescendo de 2 para quase 10% do mercado em apenas quatro anos. Ele devia ler o discurso do Gustavo Dahl, na abertura do Congresso de Porto Alegre. Ou talvez meu depoimento à sub-comissão de cinema do Senado, com todos os números e circunstãncias que não cabe aqui reproduzir. É preciso fazer filmes para os outros e não para si mesmo ou para uma hipotética história do cinema; mas isso não tem nada a ver com essa ansiedade doentia da "conquista do público" a qualquer preço, isso vai empobrecer o cinema brasileiro a curto prazo. Tenho autoridade para dizer isso, pois meus dois últimos filmes estão entre as dez maiores rendas dessa "retomada". "Orfeu" fez mais de um milhão de espectadores e nem por isso tem sido mais fácil para mim levantar recursos para fazer o próximo.

R.C.: "Tieta" foi um filme adaptado do livro do Jorge Amado. Você tem o hábito de escrever seus próprios filmes. Esse filme foi uma tentativa de falar mais de perto com o nosso público? Deu certo?

C.D.: "Tieta do Agreste" era um projeto original de Sonia Braga que me convidou para dirigir o filme. Aceitei correndo, porque adoro Jorge Amado, devo muito a ele de minha formação, e porque queria muito fazer alguma coisa com Sonia. Aos dois, somou-se Caetano Veloso, com quem eu nunca havia feito trilha sonora antes. Foi um prazer muito grande fazer esse filme e tenho muito orgulho do resultado final. Além do mais, "Tieta do Agreste" foi, para mim, uma experiência muito nova, pois era a primeira vez que eu trabalhava numa adaptação literária, num material que não era originalmente meu. Quanto ao público, "Tieta do Agreste" é uma das dez maiores bilheterias da "retomada".

R.C.: "Orfeu" superou as expectativas de bilheteria, fazendo mais espectadores do que a média dos filmes brasileiros têm feito (cerca de um milhão?), mas não chegou aos números generosos de "Xica da Silva". Você acha que Orfeu reeditaria o sucesso de bilheteria de "Xica da Silva" se o cinema fosse mais barato e houvesse mais salas de cinema? Você acha que pode existir alguma alternativa para que se abram mais salas de cinema que não sejam nos shoppings, local freqüentado apenas pelas elites?

C.D.: Não apenas "Orfeu", como a maioria dos filmes brasileiros desta "retomada" estariam fazendo muito mais público do que fazem se as condições de mercado fossem as mesmas da época de "Xica da Silva". No ano de lançamento de "Xica da Silva" se vendiam cerca de 300 milhões de ingressos por ano no Brasil. Hoje, este número caiu para 70 milhões. O público que sempre fez historicamente o sucesso dos filmes brasileiros, que é o público mais popular, está hoje excluido das salas de exibição pela combinação entre recessão econômica, concentração de renda e preço do ingresso. Os multiplex são muito benvindos; além de melhorar a qualidade técnica do espetáculo cinematográfico, eles estão ajudando o crescimento da população brasileira que vai ao cinema e abrindo novas frentes para os filmes brasileiros. Mas é preciso encontrar uma solução para fazer com que o público mais popular volte ao cinema e consequentemente aos filmes brasileiros. O Brasil é um dos poucos países do mundo que tem uma população que lhe permite (potencialmente) montar uma indústria cinematográfica contando apenas com o mercado interno. Acontece que, por questões econômicas que não são da responsabilidade dos cineastas, somente 6% de nossa população frequenta as salas de cinema, o que é menos do que um Chile e quase um Paraguai.

R.C.: Você lançou "Orfeu" nos Estados Unidos. Como foi a recepção do filme? Você chegou a ser sondado para dirigir nos Estados Unidos? Alguma proposta foi levada adiante?

C.D.: "Orfeu" estréia no mercado americano no dia 25 de agosto próximo, em quatro cinemas de Nova York e, duas semanas depois, em várias outras cidades dos Estados Unidos. Por causa dos festivais pelos quais o filme já passou, temos tido ótimas críticas de alguns jornais de lá, como o Los Angeles Times e o Chicago Sun. Pessoalmente, temo um pouco a comparação com o velho "Orfeu Negro", de Marcel Camus, que é um mito cinematográfico por lá, mesmo entre cinéfilos, intelectuais e universitários, como para minha surpresa andei constatando. Quanto a filmar nos Estados Unidos, desde "Bye Bye Brasil" que tenho recebido alguns projetos, roteiros e propostas, mas nunca encontrei nada que valesse à pena a migração, que me entusiasmasse de verdade. O único projeto que aceitei fazer por lá, chamava-se "The Lost Steps" (Os passos perdidos) e era baseado num belo romance de Alejo Carpentier, passado em Nova York e na Amazônia venezuelana. Mas houve problema com os direitos da história e o filme acabou não saindo. Não tenho nada contra filmar em qualquer lugar do mundo que me inspire e que possa gerar um bom filme, alguma coisa que me entusiasme. Na minha vida, posso ter deixado de fazer alguns filmes que gostaria de ter feito, mas me orgulho muito de só ter feito os filmes que tive vontade de fazer.

R.C.: A televisão tem sido sua preocupação atualmente, até porque você já produziu para a TV. Por que o cinema vive tão distante da televisão? Hoje só os atores circulam pelas duas áreas, os diretores geralmente não migram para a TV. Existem alguns casos, muito pouco, de diretores que foram do cinema para tv aí no Rio. Por que existe esse distanciamento entre os dois meios e como isso poderá ser mudado?

C.D.: Este é um dos problemas capitais do cinema brasileiro hoje: sem uma sólida parceria com a televisão, nosso cinema não tem nenhum futuro. Falei muito sobre isso no recente Congresso de Cinema, como também este foi um dos temas principais de meu depoimento no Senado (para quem se interessar, esse depoimento está resumido em nosso site na rede, cujo endereço é www.carlosdiegues.com.br .Essa distância entre cinema e televisão, no Brasil, é gerada principalmente por preconceitos de ambos os lados. Os cineastas já estão perdendo o seu, já há uma certa unanimidade em torno da idéia de que essa parceria é necessária, indispensável. Tenho muita esperança de que a nossa televisão descubra também, muito em breve, o quanto precisa do cinema brasileiro.

R.C.: O que te atraiu na história do Ubaldo, "O Santo que não acreditava em Deus"? Quais os principais desafios na adaptação para o roteiro cinematográfico? Será bem diferente da adaptação feita pela Rede Globo? Tem algo de parecido com "Um trem para as estrelas", quando uma moça está sendo crucificada numa favela e chove arroz (alimento)?

C.D.: "Deus é brasileiro" é uma comédia inspirada num conto de João Ubaldo Ribeiro. Mas para poder transformar a idéia inicial do grande escritor baiano em filme, tivemos que acrescentar muita coisa ao conto. Trabalhei com João Emanuel Carneiro nessa recriação do conto, agora termino o roteiro sozinho. Para mim, é quase impossível falar de um filme que ainda não existe, não consigo fazer isso.

R.C.: Você já escolheu as locações para "Deus é brasileiro"? Tem elenco definido? As filmagens acontecerão neste segundo semestre? Qual é a sua equipe?

C.D.: Como disse antes, ainda não terminei o roteiro final do filme. Assim, todo o resto fica prejudicado, à espera disso. Posso dizer apenas que pretendo começar a preparar o filme em novembro, para filmá-lo em março do ano que vem.

R.C.: Dos 14 filmes já feitos, qual você gostaria de refazer? Por quê?

C.D.: Nunca pensei em refazer nada, nem costumo ver meus filmes anteriores, a não ser quando, por algum motivo técnico, preciso fazer isso. Mas, recentemente, nas vésperas de completar 60 anos, me dei conta de que estou chegando à idade dos personagens de "Chuvas de Verão", um de meus filmes de que mais gosto e que fiz quando estava na casa dos 30. Me deu vontade de pensar de novo sobre eles, agora que tenho a idade deles.

R.C.: Você está fazendo documentários (um sobre carnaval e outro sobre reveillon). Esse não é o teu estilo de cinema. Está fazendo sobre encomenda ou estão inseridos na sua cinematografia?

C.D.: Eu nunca me senti muito atraido pelo documentário, acho que não tenho o tipo de paciência adequado para o gênero. Mas desde o final do ano passado que não faço outra coisa, estimulado inicialmente por encomenda de um filme sobre o Reveillon carioca na praia. Acabei fazendo um outro sobre o Carnaval e, agora, realizando um projeto no qual penso desde a preparação do "Orfeu", um filme sobre o Programa Favela/Bairro, pelo qual sou apaixonado. Existem certos assuntos e situações específicas, para os quais a ficção não dá conta de jeito nenhum. Deles é que nascem os grandes documentários, como os de Eduardo Coutinho, por exemplo. Tenho em minha casa uma cópia de seu filme "Duas Semanas no Dona Marta", vi-o várias vezes e pensei muito nele quando fiz "Orfeu".

R.C.: Esses documentários terão alguma preocupação social ou serão direcionados para quem encomendou?

C.D.: O fato de ser uma encomenda não quer dizer que o resultado não seja sincero. Ele corresponde exatamente às minhas idéias e sentimentos, eu só aceitei a encomenda porque sabia que podia chegar a esse resultado. Esses filmes fazem parte de minha filmografia, como qualquer dos outros que fiz por minha própra iniciativa.