Artigo

A última voz

Cacá Diegues - Jornal O Globo - 18 fevereiro 2022

Eu ainda estava no ginásio do Colégio Santo Inácio quando me aproximei de Arnaldo Jabor, tentando conquistar um papel num espetáculo colegial que ele produzia e dirigia. Tratava-se da dramatização de um daqueles poemas do romantismo brasileiro sobre os paulistas que haviam conquistado o interior do país. Lá para as tantas, uma febre assolava os bravos conquistadores e duas ou três vítimas passavam no fundo do palco, se arrastando a pedir água. Eu seria uma delas. Mas, sofrendo o que considerava um agressivo desinteresse por meu talento dramático, não passei da estreia. Abandonei o espetáculo e pedi demissão do grupo. Não sei exatamente como, mas o episódio acabou nos aproximando, ficamos amigos para sempre graças a meu fracasso dramático.

Fomos juntos para a PUC, onde ambos demos preferência às atividades político-estudantis, mais emocionantes e úteis ao país que queríamos construir. Eu era o redator-chefe de O Metropolitano, o jornal da União Metropolitana dos Estudantes (UME), que era dirigido pelo futuro deputado Paulo Alberto Monteiro de Barros, o cronista Artur da Távola, nomeado pelo presidente da entidade Alfredo Marques Viana. Chamei Arnaldo para se ocupar da página de arte do jornal e nunca mais nos separamos.

Quem me levou pro cinema foi meu amor pelos filmes que via e livros que lia, minha formação de cinéfilo. Mas quem me convenceu de que podíamos ser cineastas e me guiou nessa direção foi Davi Neves, quando se mudou para a rua da Matriz, onde eu morava. Enchi os olhos e o coração de Arnaldo com essa hipótese, acabei convencendo-o de que isso era possível. Ele começou como assistente de direção de Leon Hirszman e técnico de som de “Ganga Zumba”, meu primeiro longa-metragem. Até fazer o curta “O Circo” e seu primeiro longa “Opinião Pública”, uma sapientíssima versão do cinema-verdade dos franceses. E não parou mais de fazer cinema, se tornando um exemplo de rumo pessoal e único no Cinema Novo.