Artigo
Por que não ser igual
Cacá Diegues - Jornal O Globo - 28 de maio de 2023
O que os aborrecia não era só a cor da pele de Vini Jr., mas seu gesto sem submissão a quem manda no futebol
Ele nunca imaginou que teria um papel importante na luta antirracista. Muito menos que se tornaria um símbolo, uma bandeira dessa luta. Ele agiu simplesmente como achou que devia agir diante da pressão sobre ele nos campos de futebol num país que não era o seu.
Ele havia nascido em Belford Roxo, no Estado do Rio de Janeiro, no sudeste do Brasil. E, como tantos iguais a ele, procurava um clube em que se destacasse como jogador de futebol, onde fosse capaz de se tornar alguém para faturar uma grana que ajudaria no sustento da família necessitada e com poucas esperanças. Neguebinha, seu apelido, acabou jogando com bastante sucesso no Flamengo. E caprichou tanto que foi chamado para a seleção brasileira.
Por seu destaque na seleção, pôde ir atrás de um contrato para jogar num time de alto nível, num país europeu em que todo o mundo prestava atenção no campeonato local, em como ele era disputado. Foi assim que Vinícius Junior se tornou um craque internacional como artilheiro do campeão espanhol, o Real Madrid.
Tudo começou a mudar quando ele inventou de dançar a dancinha cheia de humor e desafio que estava acostumado a dançar em Belford Roxo, quando ainda jogava por lá e fazia um gol que merecia celebração. No novo país, a torcida adversária não gostou da comemoração. Deve ter achado um exagero, ou porque tinha cara de gozação ou porque não se faz isso com quem está pagando a conta.
Fosse por que motivo fosse, começaram a reagir. Da simples reação ao desacato à declaração humilhada de que não podiam suportar a festa diante do gol adversário. Vini se tornou vítima dessa intolerância, só faltou ser enforcado na porta do gol quando vencia a defesa do inimigo. Era como se estivessem lhe dizendo que não comemorasse a vitória; que ele, por ser diferente em tantos sentidos, não a merecia. Ele não estava destinado à vitória e a torcida adversária não podia suportá-la.
Pra quê?
Temos a impressão de que o craque esqueceu (ou fez questão de não lembrar) porque estava ali. Nenhum salário, por melhor que fosse, valeria a pena em troca daquela humilhação. Ele podia ganhar mil vezes o que ganhava, sustentar mil famílias iguais à sua, mas não valia à pena se submeter ao capricho da torcida que não desejava ver seus gols, o condenava ao lugar comum dos artilheiros nacionais.
Vinícius veio de outro modo de jogar e celebrar, de outro estilo de viver e ser vitorioso, de outro jeito de agir diante de ganhar ou de perder. De outra cultura enfim. Mas ninguém, do lado de lá, se incomodou em entender isso, preferiu liquidá-lo porque ele não se parecia mesmo com eles.
Não era só pela cor de sua pele, que isso essas torcidas já tinham encarado bem outras situações, como com Lewis Hamilton na Fórmula 1 ou Lebron James no basquete americano. Era apenas por essa invenção, ser diferente dessas torcidas e dos povos que elas representam. De não ser igual a elas, de ser alguma coisa que elas não conheciam, nem davam por isso mesmo nenhum valor.
O que os aborrecia não era só a cor da pele de Vini Jr., mas seu gesto praticado sem respeito ou submissão aos gestos praticados pelo pessoal que manda no futebol e em outro qualquer esporte que exista. O pessoal que, como esses, manda no mundo.
O que Vinícius fez e faz é uma afronta a eles e a sua cultura. Isso sim.