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Ativistas em Washignton, representando as vítimas do conflito Israel-Hamas — Foto: Brendan SMIALOWSKI / AFP

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Cacá Diegues - Jornal O Globo - 03 de dezembro de 2023

O que quero é que se encerre a violência que está sobrando mundo afora. Já que a gente não vai mesmo concordar um com o outro, que se entenda de outro modo


Quem por acaso me leu semana passada sabe muito bem o que estou pensando dessas guerras que andam rolando por aí. Teve um leitor rabugento que até me escreveu cobrando de mim que não fui suficientemente radical contra o Hamas, não o considerei o único responsável por mortos e feridos, além de sequestrados e estuprados, o único culpado pelo horror atual que rola no Oriente Médio.

Pois eu acho que o Hamas deve ser punido e que acabem com ele de uma vez, embora tampouco esteja de acordo com os métodos com que Bibi Netanyahu pretende e prega como responder ao ataque deles. Em suma, o que quero mesmo é que se encerre toda a violência que está sobrando nas relações internacionais. Já que a gente não vai mesmo concordar um com o outro, que se entenda de outro modo.

Aí, durante a semana, fico sabendo que, de acordo com um levantamento recente, feito antes de estourar a guerra física, apenas um terço das populações de cada lado era a favor de dois estados. Tanto palestinos quanto israelenses se manifestaram contra a existência de dois estados, o que é considerado pelo resto do mundo razoável, a única saída para evitar o confronto armado.

Num dos lados, ou quem sabe até nos dois, já deve estar dominando a ideia de instalação de uma Inteligência Artifical capaz de gerar soluções espetaculares para a crise entre as duas etnias. O pessoal que pensa o Hamas chegaria à conclusão de que as vítimas da escravidão seriam eternos escravos ou, na melhor das hipóteses, não conseguiriam libertar-se dos sentimentos dos escravizados.

Não se lembrariam nunca do que disse Carlos Heitor Cony, saudando nosso Costa-e-Silva-do-bem, quando estavam ambos em Portugal: “Ele não olhou para cima. O comandante Costa e Silva olhou para baixo, como fizeram Vasco da Gama e Luiz de Camões”.

O que não impediria que o outro lado defendesse a tese de que, com a nova tecnologia, seres humanos criariam pós-humanos com mais inteligência e sem emoção alguma, alcançando a imortalidade por meio da consciência digital. Como lembrou o filósofo Yuk Hui, mais ou menos como o Grande Inquisidor quando nos diz que “é Satã que vai nos salvar” nesse Apocalipse sem saída.

Neste momento, “os criadores da AI estão a debater o quanto as ferramentas compreendem o que nos respondem”. Ou seja, o quanto podemos e devemos confiar nos ChatGPT da vida, o que ele nos conta sobre o futuro da humanidade. Dizendo de um modo mais direto, até que limite eles são capazes de uma reflexão que nos ajudem a melhor entendê-los.

Quem sabe, dependendo da resposta, poderíamos confiar no verdadeiro sentido da intervenção da Inteligência artificial ou não. E estaríamos salvos de um equívoco qualquer, fatal para o nosso futuro. Não importa a resposta que daremos à reflexão da máquina; o que importa mesmo são as consequências de como tratamos a questão colocada por quem pensa e reflete. Isso é, por nós.