Artigo
Como não falar de Olimpíada?
O que seria esse país se os nossos talentos, únicos e tão generosos, fossem vistos e tratados como o nosso maior valor? Somos poderosos
Acho que a primeira Olimpíada que acompanhei de verdade foi a de 1972. Talvez porque tenha sido a primeira a ser “televisionada via satélite” pro Brasil. O mundo era outro. A maior competição esportiva era, no fundo, uma estratégica oportunidade de constatar quem se sairia melhor: a URSS — para quem não sabe, trata-se da União Soviética — ou os Estados Unidos da América, em português, EUA. Quer dizer, a Olimpíada pós-Segunda Guerra era uma disputa atlética no âmbito da Guerra Fria.
Nós aqui no Brasil vivíamos os piores anos da ditadura militar. Nos esportes, só o futebol nos trazia um sentimento de talento e imaginação que era uma referência para o mundo todo. Mas em 1972, a Olimpíada ainda era só para atletas “amadores”: não valia nossa seleção de futebol, como não valia o time NBA dos EUA.
Minha memória desses Jogos foram o recorde de medalhas de Mark Spitz na natação, só superado por Michael Phelps, já no século XXI, ambos americanos, e o que ficou conhecido como o “Massacre de Munique”, conflito entre muçulmanos e israelenses, que deu até em ótimo filme de Steven Spielberg.
Nós, por aqui não tínhamos quase ninguém para quem torcer. Éramos somente simples espectadores.
Agora, 52 anos passados de Munique, tendo tido, no meio do caminho, o Rio como sede delas em 2016, gostei de passar as últimas semanas acompanhando a Olimpíada de Paris. Os Jogos conseguiram incorporar muitas outras modalidades esportivas que traduzem um olhar atento sobre nossas humanas invenções e, sem dúvida, é o melhor e mais civilizado local para praticarmos nossa rivalidade, mas com todo o respeito, como nos ensinaram os gregos. E, sem dúvida, não somos mais meros espectadores, passamos a ter para quem torcer nas mais diversas categorias. Se antes só contávamos com alguns gênios do atletismo, fomos, aos poucos, abrindo nossas opções. O judô, que há anos nos dá medalhas; a vela, às vezes apontada como esporte elitista, assim como o hipismo; os esportes coletivos, como o vôlei, que parecia sempre ser nossa melhor vocação; o recente skate; o não tão recente surf passando pela natação e até pelo pentlato; da canoa de Isaquias (que nos remete aos nossos indígenas) chegando à ginástica olímpica, que mudou de padrão depois de sermos apresentados à romena Nadia Comaneci em 1976; temos para quem torcer nos Jogos Olímpicos.
A fotografia onde a extraterrestre Simone Biles e sua conterrânea Jordan Chiles batem cabeça no pódio para a nossa Rebeca Andrade me encheu de esperança. O Brasil tem talento. Imaginem se houvesse uma política de Estado para dar condições para que muitos mais outros pudessem aparecer? E aí, a nossa cultura está de mãos dadas.
O que seria esse país se os nossos talentos, únicos e tão generosos, fossem vistos e tratados como o nosso maior valor? Um valor estratégico. O Brasil é múltiplo e singular. Somos poderosos.